Pote de Sonhos

sábado, 26 de junho de 2010

Rita Apoena


Ontem os seus olhos doeram em mim. E como pode um olhar doer em alguém uma dor tão limpa, rabiscar de azul o silêncio que estendi pelos cantos no chão? Tive tanto medo de encontrá-los, tive medo de levantar os cílios e eles se deitarem feito um pássaro em tuas mãos tão claras, e descobrires o que eu já não posso evitar. Tive medo de notares o quanto eram indefesos diante dos teus... Por isso, tratei de escondê-los por trás do quadro, dos ferros na janela, da cortina, do tapete, das pétalas, colocando-se diante de minhas pálpebras, enquanto eu falava qualquer coisa para me esconder por trás das palavras. Mas foi quando eu ainda nem havia dito nada, foi quando eu ainda nem te conhecia, foi na fresta que, por descuido, esqueci aberta... que teus olhos doeram em mim, caíram em mim e me mancharam de tinta. Não sei o que era ali dentro deles, se a minha tristeza ou a tua, mas nunca vi olhos tão claros, nem outros que ofuscassem tanto a minha vida. Agora eu viro para o lado e não quero mais que o outro me siga, não quero mais que o outro me toque porque tocar as minhas costas é empurrar a manhã para o meio das nuvens, entende? Uma manhã que era toda feita para colher as maçãs, as maçãs que eu enrolaria doces numa forma para te dar. Por isso, quando ele me tocou, duas lágrimas eu aninhei no travesseiro, e escorri com elas, e dentro delas esperei que ele tocasse o meu corpo. Só voltei quando ele acabou.

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